Desde 2007 temos nos dedicado a pesquisar as novas formas de letramentos instigadas pelas mídias digitais no grupo de pesquisa CiberCog e no Laboratório de Mídias Digitais do PPGCOM/Uerj.
Na pesquisa que teve início em 2007, investigamos as competências cognitivas desenvolvidas nas vinculações dos jovens com mídias digitais e produtos culturais (games, televisão, cinema, livros, quadrinhos, aplicativos). Nessas pesquisas, além de produzir discussões teóricas que embasaram os conceitos de competências, letramentos e cognição, realizou-se uma investigação empírica que consistiu em uma análise de produtos culturais (seriados de TV e videogames) produzidos ao longo de três décadas (entre 1980 e 2010). Concluiu-se que para se engajar na cultura digital, os jovens precisavam aprender ou aprimorar um largo espectro de competências: linguísticas e interpretativas; lógicas e matemáticas; afetivas e sociais; criativas; perceptivas, táteis, proprioceptivas e outras habilidades motoras e sensoriais. Classificamos essas competências em cinco categorias interdependentes: textuais, lógicas, sensoriais, sociais e criativas (REGIS, 2008). Essas pesquisas evidenciaram que os letramentos envolvidos nas práticas de comunicação digital não se reduzem ao conceito clássico de cognição como processo meramente analítico e intelectual, uma vez que envolvem habilidades associadas a experiências concretas como as afetivas, sociais, corporais (perceptivas, proprioceptivas) e culturais/contextuais.
Como desdobramento dos resultados dessas pesquisas iniciais, a investigação subsequente (Projeto: Tecnologias de Comunicação e Competências Cognitivas na Cultura Contemporânea – PQ2/CNPq 2017-2020) se dedicou a analisar se “as habilidades cognitivas estimuladas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) no âmbito da cultura das mídias e do entretenimento poderiam ser apropriadas para o desenvolvimento cognitivo em outras áreas, como ensino-aprendizagem formal”. Para isso, desenvolvemos uma pesquisa empírica fundamentada em pesquisa-intervenção e realizada por meio de oficinas junto a estudantes e professores de escolas da rede pública de ensino Fundamental II (6º ao 9º ano, jovens entre 11 e 15 anos). O objetivo das oficinas é introduzir as técnicas atrativas da comunicação multimodal (textos, imagens, sons, músicas, vídeos) como estratégias para despertar o interesse do aluno no processo de construção do seu aprendizado, facilitando a assimilação de conteúdos e o desenvolvimento das competências almejadas pelo ensino formal. Para a realização das oficinas, os primeiros passos são os seguintes: entramos em contato com a coordenação pedagógica das escolas, em seguida, aprovamos a pesquisa na Plataforma Brasil e, depois, definimos quais professores/disciplinas estão interessados em participar da pesquisa. A partir dessas definições, adotamos os seguintes procedimentos metodológicos (sempre baseados em metodologias ativas): a partir do conteúdo de um bimestre de uma disciplina do currículo oficial, nossa equipe desenvolve junto com o professor da disciplina e seus alunos um produto de comunicação escolhido por eles (revistas, blogs, vídeos, histórias em quadrinhos, booktraillers, digital storytelling, Role Playing Game – RPG, Alternate Reality Games – ARG, jogos de tabuleiros e outros). O produto escolhido terá como conteúdo o próprio conteúdo escolar da disciplina. A criação desses produtos permite ao aluno elaborar e reinterpretar os conteúdos escolares. O uso dos múltiplos recursos da comunicação multimodal (textuais, visuais, sonoros e táteis) sensibiliza diversos sentidos, potencializando a assimilação dos conteúdos pelos estudantes. Os alunos da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Comunicação Social da Uerj participam das oficinas auxiliando no desenvolvimento dos produtos de comunicação e realizando observação participante e diários de campo durante as oficinas.
As oficinas foram realizadas na Escola Municipal Madrid (2018) situada no bairro Maracanã, próxima ao prédio principal da Uerj no Rio de Janeiro/RJ. Nesse tipo de metodologia ativa os saberes e habilidades são apreendidos por um processo de “fazer”. Ou seja, os alunos são convidados a aprender de modo a mobilizar seus recursos para criação de problemas e resolução de situações concretas mais próximas da sua realidade, o que significa que em vez de “decorar informações para responder perguntas em uma prova” são estimulados a “desenvolver competências para serem aplicadas na vida”. Essa proposta de aprender fazendo (do-it-yourself) estimula o trabalho em equipe, a criatividade e a autonomia. As oficinas têm o potencial de operar de forma mais lúdica, afetiva e interativa, o que estimula engajamento e melhor assimilação dos conhecimentos construídos.
Tomando por base essas oficinas (e estudos teóricos) desenvolvemos o protocolo da metodologia multimodal, lúdica e afetiva para processos de aprendizagem no ensino fundamental II. A metodologia tem apresentado excelentes resultados no campo do ensino aprendizagem da educação formal. As professoras das turmas com as quais trabalhamos relataram ótimos resultados tanto na assimilação de conteúdos curriculares do ensino fundamental quanto no desenvolvimento de competências e letramentos, incluindo um aumento médio de 25% nas notas do bimestre em que as oficinas foram realizadas. Como era esperado e em conformidade com outros estudos (Schmidt & Vandewater, 2008; Ferrés & Piscitelli, 2015; Ortiz, 2018; Salaverría, 2014), as práticas com as mídias digitais e a comunicação multimodal, quando orientadas por princípios pedagógicos, favorecem tanto o desenvolvimento de competências associadas à cultura letrada clássica (interpretação de textos, sistemas de linguagens, lógica, atenção focada, percepção seletiva, habilidades espaciais, capacidade de resolução de problemas) quanto das competências potencializadas por recursos multimidiáticos e hipertextuais, tais como: uso simultâneo de multiplataformas, colaboração para a produção de conteúdo, exploração de ambientes midiáticos, atenção dividida, multitarefa; autonomia, experiência prévia, criatividade, aprendizado por tentativa e erro e descentralização.Em 2019 iniciamos o Projeto New Media Literacies: aprendizagem participativa, multimodal e lúdica na cultura digital, bolsa PQ2 – 2019/2022, que tinha o objetivo de ampliar o alcance e aperfeiçoar a metodologia de aprendizagem, dando continuidade à realização das oficinas junto aos alunos de 6º ao 9º ano em um número maior de escolas. No entanto, devido à pandemia de COVID-19, em março de 2020 as escolas passaram ao ensino remoto e tivemos que reorientar as atividades da pesquisa. Com a impossibilidade de trabalhar diretamente com estudantes, optamos por oferecer cursos remotos aos professores de escolas públicas do ensino fundamental II, capacitando-os para o uso da metodologia multimodal, lúdica e afetiva. Essa reorientação de percurso da pesquisa mostrou-se muito proveitosa, pois conseguimos atingir diretamente professores (e indiretamente seus alunos) de outras cidades do Brasil. Durante 2020, organizamos o plano de ensino do curso para professores e em 2021 oferecemos um curso de extensão de 60 horas por meio de parceria do Laboratório de Mídias Digitais (PPGCOM/UERJ) com três pesquisadores de três universidades federais. A Professora Doutora Letícia Perani do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (IAD/UFJF), o Professor Doutor José Messias do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz (PPGCOM/UFMA, Imperatriz), e a Professora Doutora Raquel Timponi do Mestrado Profissionalizante em Tecnologias de Comunicação e Educação da Universidade de Uberlândia (MPTCE/UFU). Com estas parcerias criamos a Rede de Pesquisa CLAC (Comunicação, Lúdico, Afeto e Cognição). Em 2022, realizamos uma nova edição do curso, também de forma remota, com o acréscimo da Professora Doutora Alessandra Maia, da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas, à equipe pedagógica da Rede CLAC.